19 de jun. de 2015

Uma nova Guerra Santa?

Por *Rodrigo Franklin de Sousa      

A audiência pública realizada no STF essa semana sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4439 (ADI 4439), renovou a discussão sobre a oferta de ensino religioso confessional nas escolas públicas. Para quem está tentando se situar no debate, o ensino confessional defende a perspectiva, os princípios e valores de uma religião específica, e o não-confessional aborda as religiões como fenômeno humano, buscando se ater à observação da religião do ponto de vista histórico, sociológico, etc.

O debate gira em torno de três alternativas possíveis:

1)  O Estado não deve oferecer ensino religioso nas escolas públicas;

2)  O Estado pode oferecer ensino religioso nas escolas públicas, desde que de natureza não-confessional;

3)  O Estado pode (e deve) oferecer ensino religioso confessional nas escolas públicas. 

Por razões que ficarão claras abaixo, defendo a posição 2, uma vez que a posição 1 (a ideal), não é viável hoje. A Igreja Católica defende a opção 3. A CNBB entende que a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional e o acordo diplomático firmado entre o Brasil e a Santa Sé em 2010 preceituam o ensino religioso confessional pelo estado e que isso estaria em harmonia com a Constituição Federal. Essa posição problemática reflete uma brecha na legislação brasileira.

Segundo o artigo 33 da LDB, o ensino religioso nas escolas públicas deve respeitar diversidade cultural e religiosa do Brasil e se eximir de qualquer forma de proselitismo, o que estaria alinhado com a ADI 4439. A dificuldade surge nos parágrafos 1º e 2º do artigo, que determinam que os sistemas de ensino têm autonomia para regulamentar a elaboração de conteúdos e a admissão de professores, inclusive em parceria com entidades religiosas. Isso deixa aberta uma porta para que se pratique tanto o ensino confessional quanto o proselitismo na escola pública (em tempo, o ensino confessional não visa necessariamente à conversão, por isso nem sempre é proselitista). De fato, com a exceção do estado de São Paulo, o ensino religioso na escola pública brasileira tem normalmente alguma orientação confessional.

O texto do acordo entre o Brasil e o Vaticano aponta mais explicitamente para a confessionalidade, ao afirmar que o ensino deve ser “católico e de outras confissões religiosas”. Ou seja, católico ou não, o ensino religioso é tido como pertencente a uma confissão religiosa. Ao invocar o “direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País” e “o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”, o acordo tem em vista unicamente a liberdade para ministrar o ensino confessional (preferencialmente católico)!

É muito importante atentar para isso. Defensores do ensino confessional na escola pública sempre vão invocar a liberdade de culto, de religião, de crença, justamente como argumento para que tenham a liberdade de que a sua confissão sirva de base para o ensino. A lógica funciona mais ou menos assim: “O Estado garante a liberdade religiosa, portanto sou livre para que a minha religião seja normativa no ensino público”. Na proposta confessional representada pela CNBB e por outros poucos segmentos religiosos, o apelo à liberdade mascara a busca pelo poder e pela influência do seu grupo no espaço público.

Diante disso, o questionamento proposto pela ADI 4439 é importante (embora muitos dos argumentos que a embasam sejam problemáticos). Ela é especialmente feliz em argumentar que uma das vantagens da laicidade do estado é justamente evitar que ele venha a intervir de forma abusiva sobre as religiões e suas formas de crença, culto e organização. Mas para que isso realmente funcione uma recíproca tem que ser verdadeira e as organizações religiosas precisam abrir mão de tomar para si poderes que competem ao estado. O texto argumenta com muita propriedade que nenhuma perspectiva a respeito da religião (inclusive o ateísmo) pode ser privilegiada pelo estado.

O Estado não tem a prerrogativa de ensinar religião, mesmo que houvesse uma demanda popular para isso. Se alguém quer ensino religioso, que procure uma entidade religiosa! E para que se tenha ensino religioso no padrão da escola pública não é sequer preciso matricular a criança em uma escola confessional. Diferentemente dessas escolas, onde a confessionalidade permeia as atividades escolares como um todo, o ensino religioso na escola pública é normalmente ministrado em uma hora aula durante a semana. Existe uma vasta gama de organizações religiosas das mais diversas que podem oferecer uma hora (ou muito mais) de instrução religiosa por semana. Gratuitamente.

Podemos ir além. A maioria das religiões enfatiza o papel da família e da comunidade na transmissão de valores. Se as famílias não querem assumir o papel de transmissoras de princípios religiosos, porque o estado deve assumir essa responsabilidade?

A educação confessional pode ser extremamente enriquecedora. Só que ela compete a entidades religiosas e não ao estado. E se o estado não deve nem promover nem denegrir a religião, não seria o melhor curso de ação simplesmente que ele se eximisse de oferecer qualquer tipo de ensino religioso?

O grande problema é que, independentemente da nossa opinião, a constituição brasileira determina que o ensino religioso deve ser ministrado em escolas públicas (artigo 210, parágrafo 1º). O que resta, então, é buscar como implementar isso da melhor forma possível. Se o ensino religioso precisa ser mantido na esfera pública, que seja não-confessional. O ambiente público pode ser bem aproveitado como um espaço para o cultivo da convivência e da tolerância. Coisas que, aliás, andam em baixa esses dias.

Surge aí o problema da formação e capacitação dos professores. Quantos estariam dispostos a ensinar a religião em uma perspectiva não-confessional? E quantos estariam efetivamente capacitados a fazê-lo?

Um dado positivo é o crescimento significativo de cursos de graduação e pós-graduação na área das Ciências da Religião no Brasil, tanto em universidades confessionais quanto públicas, que justamente têm se empenhado em formar profissionais capazes de cultivar espaços de tolerância e convivência, sem achar que isso de alguma forma macule suas convicções pessoais ou crenças religiosas. O aumento de profissionais qualificados nessa área é talvez a maior esperança para que a escola pública, no tocante à questão do ensino religioso, venha a ser um lugar de exercício da cidadania, de aprendizado sobre o outro, e de encontro com o que nos une como seres humanos.

*Rodrigo Franklin de Sousa é PHD, professor do programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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