Pessoas que trabalharam no processo de descontaminação de Goiânia, sem equipamentos de segurança, hoje lutam para ter direito a pensões
Um pó azul brilhante, a curiosidade humana e a falta de conhecimento de pessoas simples foram ingredientes para o maior acidente radioativo no mundo ocorrido fora de uma usina nuclear. A menos de dois meses de completar 27 anos, a tragédia que marcou a história de Goiânia ainda mostra suas marcas em quem viveu de perto os riscos da exposição ao césio 137. Fundada no início de 2014, uma associação de trabalhadores que se envolveram na descontaminação da cidade luta para ter direitos reconhecidos.
João Barros Magalhães, com os olhos vermelhos por lágrimas contidas e voz embargada pela emoção, relembra a época da tragédia e as consequências de ter trabalhado para ajudar a libertar a cidade do elemento radioativo que se espalhou rapidamente. Hoje, com 60 anos, na época tinha 33 anos e trabalhava como motorista para o Crisa – Consórcio Rodoviário Intermunicipal S/A, órgão que fez a remoção dos resíduos contaminados por radioatividade de Goiânia para Abadia de Goiás.
Atualmente, ele é presidente da Associação dos Contaminados, Irradiados e Expostos ao Césio 137 e sobrevive com a pensão que ganha do Estado, que é de um salário mínimo. Com vários problemas de saúde, João conta que não recebe o auxílio a medicamentos e que por mês gasta em torno de R$ 600 na farmácia. “Mas, muitos outros gastam bem mais, em torno de R$ 1.000 porque desenvolveram mais doenças”, afirma ele.
Pessoas que tiveram contato direto com o elemento radioativo ou foram expostas a eles têm mais auxílios garantidos, tanto médicos quanto com medicamentos, além de pensões estaduais e federais. Segundo João, essa não é a situação de todos. “As pessoas focam muito em doenças graves e se esquecem das doenças crônicas, diabetes, hipertensão, depressão”, afirma.
De acordo com ele, as pessoas que tiveram contato com a radioatividade foram catalogadas em três grupos. “As pessoas dos primeiros grupos são mais bem assistidas pelas instituições, enquanto nós do terceiro grupo não, e somos o grupo em que mais morre gente”, explica João.
História
O acidente com o césio 137 ocorreu no dia 13 de setembro de 1987, quando uma cápsula que continha o elemento químico, de um aparelho de radioterapia que estava abandonado, foi aberta. O local, um ferro-velho situado na região central de Goiânia, era frequentado por muitas pessoas e se tornou o principal foco de irradiação. O proprietário do estabelecimento, Devair Ferreira, fascinado pelo brilho azul diferente que o elemento emitia na escuridão, e sem conhecimento a respeito, também presenteou algumas pessoas com o pó azul.
O elemento químico altamente radioativo se espalhou pela cidade sem que as pessoas soubessem do grave perigo a que estavam expondo sua saúde. Quando foi descoberto que se tratava de radiação por césio 137, várias pessoas apresentavam os sintomas de contaminação e houve uma tentativa de minimizar o acidente para não gerar pânico. “Estávamos proibidos de falar em acidente, até por causa da corrida que ocorria na cidade. Eles falavam apenas em vazamento de gás”, lembra Antônio de Abreu Caldeira, que trabalhava na parte administrativa da Crisa, na época.
Limpeza
Os funcionários do Crisa trabalharam na descontaminação de Goiânia e remoção do lixo radioativo que se formou durante esse processo. Para os ex-funcionários houve negligência, pois eles não foram informados sobre o que realmente ocorria e foram enviados para o trabalho sem nenhum tipo de proteção contra a radioatividade a que estariam expostos. “Vocês podem ver nas fotos que estávamos sem nenhum equipamento obrigatório. Só fomos ver a gravidade do que estava ocorrendo quando o primeiro motorista faleceu depois de cerca de três meses”, explica João.
Na época, segundo ele, vários funcionários do Consórcio se envolveram no processo, desde quem fazia as refeições até os agentes de limpeza, motoristas, operadores, mecânicos, eletricistas e também quem trabalhava na área administrativa.
Auxílio
Em 8 de julho de 2002, a Lei Estadual nº 14.226 foi sancionada decretando que fossem concedidas pensões aos envolvidos no acidente. Conforme João e Antônio, as pensões foram liberadas apenas em 2008 e que o Estado ainda não pagou os valores retroativos, referentes ao período de 2002 a 2007. “Sempre nos mobilizamos para tentar receber essas pensões. Mas, no final, com a colaboração do deputado estadual Helio de Sousa e do governador Marconi Perillo, que ficaram sensibilizados, conseguimos fazer uma negociação de que o valor devido seja pago em 12 prestações”, conta João.
Antônio ainda lembra que na época em que foi promulgada a lei, o valor a ser recebido equivalia a mais que um salário mínimo, e atualmente recebem R$ 724, ou seja, o salário mínino. Agora eles pleiteiam receber também uma pensão federal para as pessoas do terceiro grupo. “Há um projeto na Câmara Federal, mas agora parece que vão nomear um novo relator”, explica João.
Segundo ele, se não fosse a disponibilidade da liberação dessas pensões, a situação dos trabalhadores do Crisa seria difícil. Hoje, a associação tenta lutar pelos direitos de 36 dos antigos funcionários. Muitos já faleceram e são apontados nas fotos pelos ex-colegas, muitos nunca foram contemplados com nenhum auxílio. “Eu mesmo não gosto nem de lembrar o que eu já passei. Meu irmão faleceu sem ter nenhum benefício. Eu tive AVC, tomo remédio para hipertensão, depois do acidente comecei tomando calmantes. E agora toda vez que vou no médico é um remédio novo”, completa João.
Diário da Manhã/Divania Rodrigues
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